9. História Interminável ou a Conclusão Contínua (Um Homem e uma Máquina Saem de um Bar…)
- Miguel João Ferreira
- 11 de jan. de 2018
- 5 min de leitura
Na conclusão desta viagem pelo Ciber-espaço, assumamos agora que, por hoje, bebido o seu copo, trocadas as suas impressões, terminado, por alguns instantes, aquele tipo de interacção, um Homem e uma Máquina saem de um Bar… Para onde vão?
Muitos são os caminhos possíveis e, contrariamente ao ditado, nem todos vão dar a Roma; talvez até nenhum lá vá dar. E, como em qualquer caminho, andando por eles, deparar-nos-emos com tesouros e perigos, aliados e vilões, auxílios e obstáculos.
2018 já nos entrou vida adentro e trará progressos inacreditáveis. E trará também retrocessos, igualmente inacreditáveis. 2018 é o começo de 2077, ano de referência do extraordinário documentário recém-produzido pela RTP. Já é o futuro de que temos vindo a falar. É o ano de todas as possibilidades; e O Ano de Todos os Perigos.
Espera-nos o desemprego, porque as máquinas nos roubaram o emprego, como prometeu Sophia, na Web Summit de Lisboa, 2017; ou espera-nos muito mais tempo para vivermos e apreciarmos a vida, se soubermos aproveitar o potencial da máquina para melhorar o Homem, em vez de a vermos apenas como instrumento de lucro que aumentará as desigualdades e moldará fatalmente as distopias que nos prometem as previsões apocalípticas. Espera-nos uma guerra com as máquinas, pela sobrevivência, como em Terminator ou Matrix; ou espera-nos um mundo aprazível, organizado e complementar, com máquinas mais Humanas e Homens mais funcionais. Espera-nos o mind-hacking em que nos roubarão pensamentos; ou o mind-blowing em que não poderemos deixar de nos surpreender com as nossas façanhas. Espera-nos a falta de segurança e de privacidade, com um controlo desenraizante, desindividualizante, que dá expressão máxima ao «Big Brother’s watching you» do 1984 de George Orwell (publicado visionariamente em 1949); ou uma harmonia edénica, de uma sociedade aberta e em rede em que toda a Humanidade se partilha, no melhor das suas capacidades, e ninguém está sozinho. Espera-nos a submissão à propaganda, manipulação, extorsão e opressão de quem controla os dados e nos faz pagar pela nossa própria informação; ou o direito cívico inalienável de estarmos sempre informados sobre todos os aspectos da vida e da Sociedade e de sermos donos, por igual, de quanto produzimos e do melhor das nossas capacidades. Espera-nos a maquinização, o hibridismo, a robotização escrava, prenunciados na década de 80 do século passado pelos Kraftwerk no seu clássico «Mensch Machine» em que cantavam: «Mensch Machine, / Halb Wesen und halb über Ding» (Kraftwerk, 1978, álbum Mensch Machine), que quer dizer “Homem-Máquina, meio ser e meio super-coisa”; ou uma multiplicação de amigos que nos dão a mão, o braço e nos perguntam sempre que precisamos: «O que deseja?».
Tudo isto e nada disto nos espera; porque o que de facto nos espera é o que quisermos criar; e, como sempre, apesar de todos estes progressos, continua a valer a máxima de Plauto (254-184 a.C., in Asinaria) homo homini lupus: o Homem é o lobo do Homem; e é afinal o Homem que ainda devemos temer, não os robots que mais e mais nos circundam.
A Evolução continua, a evolução é contínua, mas somos nós que a fazemos, não as máquinas; não ainda. De Arquimedes a Asimov, ciência e ficção científica estão interligadas numa Fundação contínua. A ciência descobre e executa. A ficção prevê e prepara. E estaremos nós preparados?
Virão cada vez mais máquinas povoar-nos os sonhos; e as ruas. Máquinas não simplesmente mecânicas, mas complexamente digitais, complexamente humanizadas, complexamente sensitivas; e, porque não, sensíveis. A realidade terá outra face que ainda não conseguimos ver, que não sabemos ainda que rosto há-de tomar. Pode ser o cyborg exterminador; pode ser o robot que salva uma criança e que aprende com ela: I’ll be back; hasta la vista, baby (Terminator 2, 1991, James Cameron). Pode ser o robot psicótico que tenta afogar o “irmão” concorrente; pode ser o Pinocchio de circuitos à procura do amor incondicional (Artificial Intelligence: AI, 2001, Steven Spielberg). Pode ser uma desolação de circuitos; ou a nossa alma gémea (Her, 2013, Spike Jonze). Pode ser um conjunto irreconhecível de metal e cabos; ou uma nova possibilidade de explicação do verbo amar.
Talvez o afecto não seja, afinal, um traço exclusivamente Humano; talvez seja um fenómeno que se pode simplesmente traduzir num gesto e que por isso está acessível a qualquer um, como o Robot ASIMO em Robot & Frank (2012, Jake Schreier). A Tecnologia, sensitiva ou não, consciente ou não, tem possibilidades que vão além do juízo que fazemos dela, Por isso, além de tão útil, é tão extraordinária; e por isso também pode ser tão perigosa. Há quem defenda que é neutra; há quem defenda que não. Neutra ou não, é indissociável do uso que fazemos dela.
No capítulo 0 deste ensaio em partes, estabelecemos um curso que seguimos, ao longo de 10 capítulos (0,1,2,3,4,5,6,7,8,9 — os dígitos do nosso sistema decimal, estandarte sobrevivente da representação analógica), passo a passo, entre uma e outra paragem de reflexão, até chegarmos a este destino que não é mais do que outro ponto de descanso nesta viagem inevitavelmente interminável:
Enquanto houver Homem haverá descoberta; e haverá, também, cada vez mais, cada vez melhor, cada vez mais sofisticada, cada vez mais Humana… a Máquina. A sua História tem a conclusão parcial (e parcial enquanto um ou outro existirem) que a cada geração (de Homens e de Máquinas) se lhe der. Será, nesses termos, uma história eternamente inconclusiva, ilimitada no seu potencial, nos seus benefícios, nos seus prejuízos; uma História Interminável de imprevisíveis consequências…
De facto, tudo poderá, literalmente, acontecer: Poderemos, como em Total Recall, viver em Marte. Poderemos, como em Matrix, lutar contra a tirania das máquinas. Poderemos, como em Metropolis (1927, Fritz Lang), na obra visionária de Čapek ou no futurismo decadente dos Kraftwerk, acabar, sem as teias de enganos com que nos cobrimos agora, por viver às claras a despersonalização do Homem no automatismo da máquina. Ou poderemos, simplesmente, como em Her, de Jonze, viver outro nível de desgosto nas relações amorosas e dizer:
«A minha namorada deixou-me para fugir com um sistema operativo».
E, como sempre, teremos, simplesmente, de levantar a cabeça e responder à humaníssima pergunta: E agora, o que vamos fazer?
«De minha parte —, diria o Robot por detrás deste ensaio —, não tenho todas as respostas; mas pode ser que tenha um ombro amigo? Para começar,
You can call me H.AL.»
(Artigo de: Miguel João Ferreira)
________________
6. Outro exemplo importante dos mesmos Kraftwerk: «Wir laden unsere Batterie / Jetzt sind wir voller Energie / Wir sind die Roboter / Wir funktionieren automatik / Jetzt wollen wir tanzen mechanik / Wir sind die Roboter / Ja tvoi sluga / Ja tvoi Rabotnik (Kraftwerk, 1978, álbum Mensch Machine). Ou seja: “Carregamos a nossa bateria, / agora estamos cheios de energia, / somos os Robots. / Funcionamos de modo automático, / agora queremos dançar mecanicamente, / somos os Robots.” Os dois versos seguintes, em russo, não em alemão, querem dizer: “Sou o teu servo, / sou o teu trabalhador”. Estes dois versos finais são, além da palavra Robot, uma alusão clara à origem da palavra Robot que provém da peça de teatro R.U.R. (Rossum's Universal Robots [trad. Inglesa], 1920) do escritor checo Karel Čapek. Quer dizer em proto-eslavo escravo ou, em checo, trabalho(s)-forçado(s). Os robots são portanto, no contexto sócio-político de Čapek, os operários esmagados pela opressão do período entre-Guerras, a revolução fabril (e febril) do trabalho e a ascensão na Europa do fascismo e do comunismo. Segundo Karel, o termo Roboti do checo Robota não é da sua autoria mas do seu irmão Josef, a quem recorreu para auxílio na invenção do nome que buscava.
Comments